E me dizem - não
mais uma vez.
Caminho pela casa vazia
não tenho pais nem irmãos
e a minha dor mesquinha
individual intransferível
é infinitamente maior que a dor de todo o planeta.
Bebo. Tomo barbitúricos
telefono para números que não atendem
além da janela
uma lua cheia desgovernada
transita em Peixes.
O espelho mostra uma cara
de fundas olheiras, barba por fazer,
fios brancos nos cabelos
e uma teia cada vez mais densa
de pequenas rugas.
Fiz trinta e três anos ontem
choro e soluço alto
até o peito doer como uns socos.
Sou um cachorro doente
escondido neste quarto colorido
no meio duma cidade que não entendo
num planeta que não entendo
entre homens que nunca entendi.
Penso em cordas, giletes
comprimidos, facas. Não ousarei.
A cabeça desgoverna
errei de planeta
errei de corpo
esta história não me pertence
porque é tão triste
e no entanto é minha.
Como um camelo
mastigo a dor que inventei
para me distrair de um medo incompreensível.
São três horas da manhã
acordarei às três da tarde
a boca amarga
os rins doloridos
o coração pisoteado
cheio de humilhação.
Nunca mais telefonarei.
Me procurarás em vão
e serei frio como quem diz
- não preciso de tua piedade.
Sou para sempre um homem escuro
meu sorriso não conhecerá ninguém.
Não te quero mais
porque não me queres.
Escrevo para não me matar.
E imagino então
que um gênio sai da lâmpada lustrosa
e faço três pedidos
que não sei quais são.
Não quero estar aqui.
Morri faz tempo.
Me assassinaste hoje outra vez
e pagarás muito caro o preço
de cada um dos três bilhões
de lágrimas que chorei por ti.
Então escrevo madrugada adentro
e nada se resolve.
Verbalizo a dor.
Mas amanhã continuo
e a dor persiste
prego cravado
gilete no olho
no canto da boca
estilete na pupila
no centro do coração
que escancarei para ouvir
- e é tão antigo -
o não que já conheço
e nunca entendo
Caio Fernando Abreu
poema publicado no livro Poesias nunca publicadas de Caio Fernando Abreu
Ahhhhhh
ResponderExcluirDiga 33
Que triste é sofrer
Me leva para um tango argentino ?
Trinta e Três
ResponderExcluirMe leva para um tango argentino?
ExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
Excluir