E de repente me vinha uma vontade de não querer mais nada, de apenas respirar, fruir a vida, olhar ao redor silenciosamente, mas o homem que me amava (acho que não amava) queria um rosto sempre alegrinho, queria um corpo que, como é que eu posso dizer, que respondesse saudavelmente, você sabe como é? Sei, sei, saudavelmente, sei. Ah, que vontade enorme de me sentar na terra e catar minhocas no chão, que vontade enorme de soltar a barriga, de mostrar os meus olhinhos como eles são: velhos e muito tristes. Que vontade enorme de dizer que eu tenho flebite (ah, é?) e que as minhas pernas doem quando eu faço o amor. Que vontade enorme eu tinha de dizer: meu amigo, que coisa tenho eu com você? É, parece muito bíblico. Ou então: você não sabe que eu preciso de solidão e de silêncio, que eu tenho muitas coisas dentro de mim mas que essas coisas também precisam de solidão e de silêncio para virem à tona, você não vê que é inútil você ficar tocando no meu corpo, que é inútil, que eu tenho vontade de ter asas, que o meu fogo é para outra coisa, meu Deus, para outra coisa, meu Deus, um outro fogo.
Hilda Hilst
no livro Fluxo-Floema.
nossa , bateu-me.
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