Moram em mim
fundos de mares, estrelas-d'alva,
ilhas, esqueletos de animais,
nuvens que não couberam no céu,
razões mortas, perdões, condenações,
gestos de amparo incompleto,
o desejo do meu sexo
e a vontade de atingir a perfeição.
Adolescências cortadas, velhices demoradas,
os braços de Abel e as pernas de Caim.
Sinto que não morro.
Sou morada pelas coisas como
a terra das sepulturas
é habitada pelos corpos.
Moram em mim
gerações, alegrias em embrião,
vagos pensamentos de perdão.
Como na terra das sepulturas
mora em mim o fruto podre,
que a semente fecunda repetindo a vida
no sereno ritmo da Origem.
Vida e morte,
terra e céu,
podridão, germinação,
destruição e criação.
Adalgisa Nery
segunda-feira, 8 de junho de 2020
CEMITÉRIO ADALGISA
quinta-feira, 12 de março de 2020
Valsa
Não busquei outra hora, outro dia, outro deus que tu.
Labirinto, pirâmide de fumaça, altura que canta, poço que ameaça, terra de abismos, primavera cega.
A solidão nos une na umidade de uma ervilha, no volume das ondas,
no suor da raíz.
(Brota na poeira cinza de Lima a baga carregada de ira.
Gira a valsa, manancial de urina, vapor dourado, sopro baixo,
lábios negros, apertados, fantasma que se acaricia sob as uvas
amarelas e se flagela à chegada da aurora com estrelas)
Ascendo e caio no fundo da minha alma
que renasce, agônica de luz, imantada de luz.
Neste ir e vir o tempo bate suas asas
congelado para sempre.
Recriar-te: poeira, lâmina, ferida.
Perder-te: gesto, contato, esquecimento.
Buscar tua sombra, te reconhecer atrás de uma janela,
mancha de sol, sombra de chuva, em qualquer rua do mundo.
Perseguir-te, condenado girassol,
como uma pedra acorrentada ao ar,
arrastando a terra, cauda que incendeia universos,
e que desvanece numa praça.
Sou um olhar que abre uma porta,vislumbra o vazio
contempla o céu em ruínas.
Explode, num ramo derrotado, esse intervalo furioso,
a pupila em chamas,
buscando-te, exigindo sua razão de luz.
Blanca Varela
Trad. Frederico Klumb
Labirinto, pirâmide de fumaça, altura que canta, poço que ameaça, terra de abismos, primavera cega.
A solidão nos une na umidade de uma ervilha, no volume das ondas,
no suor da raíz.
(Brota na poeira cinza de Lima a baga carregada de ira.
Gira a valsa, manancial de urina, vapor dourado, sopro baixo,
lábios negros, apertados, fantasma que se acaricia sob as uvas
amarelas e se flagela à chegada da aurora com estrelas)
Ascendo e caio no fundo da minha alma
que renasce, agônica de luz, imantada de luz.
Neste ir e vir o tempo bate suas asas
congelado para sempre.
Recriar-te: poeira, lâmina, ferida.
Perder-te: gesto, contato, esquecimento.
Buscar tua sombra, te reconhecer atrás de uma janela,
mancha de sol, sombra de chuva, em qualquer rua do mundo.
Perseguir-te, condenado girassol,
como uma pedra acorrentada ao ar,
arrastando a terra, cauda que incendeia universos,
e que desvanece numa praça.
Sou um olhar que abre uma porta,vislumbra o vazio
contempla o céu em ruínas.
Explode, num ramo derrotado, esse intervalo furioso,
a pupila em chamas,
buscando-te, exigindo sua razão de luz.
Blanca Varela
Trad. Frederico Klumb
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