quinta-feira, 12 de março de 2020

Valsa

Não busquei outra hora, outro dia, outro deus que tu.

Labirinto, pirâmide de fumaça, altura que canta, poço que ameaça, terra de abismos, primavera cega.

A solidão nos une na umidade de uma ervilha, no volume das ondas,
no suor da raíz.

(Brota na poeira cinza de Lima a baga carregada de ira.
Gira a valsa, manancial de urina, vapor dourado, sopro baixo,
lábios negros, apertados, fantasma que se acaricia sob as uvas
amarelas e se flagela à chegada da aurora com estrelas)


Ascendo e caio no fundo da minha alma
que renasce, agônica de luz, imantada de luz.
Neste ir e vir o tempo bate suas asas
congelado para sempre.

Recriar-te: poeira, lâmina, ferida.
Perder-te: gesto, contato, esquecimento.
Buscar tua sombra, te reconhecer atrás de uma janela,
mancha de sol, sombra de chuva, em qualquer rua do mundo.

Perseguir-te, condenado girassol,
como uma pedra acorrentada ao ar,
arrastando a terra, cauda que incendeia universos,
e que desvanece numa praça.

Sou um olhar que abre uma porta,vislumbra o vazio
contempla o céu em ruínas.
Explode, num ramo derrotado, esse intervalo furioso,
a pupila em chamas,
buscando-te, exigindo sua razão de luz.

Blanca Varela
Trad. Frederico Klumb

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