quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Como amar Tchekov

Amar este homem que vive longe
é como amar Anton Tchekov.
É verdade, eu amo Anton Tchekov,
amei-o muito antes de conhecer este homem.
Amo todas as caras de Anton Tchekov que tenho em minha coleção
de fotos que o mostram em diferentes anos de sua vida,
sozinho ou com irmãos e irmãs, com atores,
com Górki,
com Tolstói, com sua esposa, com seus indistinguíveis
e atraentes cães; do estudante sem barba até o homem
com pince-nez, famoso e aflito.
Não tenho nenhuma foto 
do homem que amo.

Amo Anton Tchekov por ter viajado sozinho
à prisão da ilha sem ter sido convocado.
por escrever sobre os gélidos, encarnados mares
ao redor da ilha e ao redor das vidas de sua gente
que “pareciam os pesadelos
de um menino pequeno que andou lendo
Lost in the Ocean Wastes
antes de ir dormir e sua coberta cai
e ele se encolhe tremendo
sem conseguir despertar.”

por ter valorizado tanto o feio tinteiro que lhe deu uma pobre costureira
como agradecimento por seu trabalho de médico.
Se há uma vida depois desta
espero ali conhecer Anton Tchekov.
Amar o homem que amo
é como isso, porque está longe,
e porque é escrupuloso e porque seguramente
nada do que diga pode me aborrecer.
Mas também é diferente. Tchekov já tinha morrido
muito antes de eu nascer. E este homem está vivo.
está vivo e não está comigo.
Este homem dividiu comigo uma cama, nossos corpos
roubaram calor um do outro e deram um ao outro
prazer, nossos corpos
se aborreceram com a gente por, depois de os entregarmos um ao outro,
termos deixado que algo que eles não entendem bem os separassem, uma cunha
cruel e metálica que eles nos ouvem chamar
Necessidade.

Parece irreal amar
um homem que vive tão longe, ou que só é real para a mente,
a mente molestando o corpo. Mas que é real,
está vivo e não é numa vida posterior a essa
que o quero ver
mas sim neste aqui e agora, antes que eu fique um mês mais velha,
antes que me surja entre os cabelos outro fio branco.
Se ele me faz pensar em Anton Tchekov não é porque
me lembre o mais minimamente Anton Tchekov, mas porque a dor
da distância entre mim e o homem vivo que conheço e não conheço
me agarra com dor e medo, uma dor e um medo
parecidos com o amor pelos mortos inalcançáveis.

Denise Levertov

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