quinta-feira, 5 de abril de 2018

Musa



Era mais bela que o sol
e eu ainda não tinha 16 anos.
24 se passaram
e ela segue a meu lado.

Às vezes a vejo caminhar
sobre as montanhas: anjo da guarda
de nossas preces.
É o sonho que regressa

com a promessa e o assovio.
O assovio que nos chama
e que nos perde.
Em seus olhos vejo os rostos

de todos meus amores perdidos.
Ah, Musa, proteja-me, eu rogo,
nos dias terríveis
da aventura incessante.

Nunca me deixe.
Guia meus passos e os passos
de meu filho Lautaro.
Deixe-me sentir a ponta de seus dedos

novamente em minhas costas,
incentivando-me quando tudo estiver escuro,
quando tudo estiver perdido.
Deixa-me ouvir o assovio novamente.

Sou seu fiel amante
ainda que às vezes o sonho
me separe de você.
Você é, também, a rainha dos sonhos.

Minha amizade é sua todos os dias
e algum dia
sua amizade me salvará
do terreno baldio do esquecimento.

Pois, mesmo que você venha
enquanto eu vou
no âmago somos amigos
inseparáveis.

Musa, onde quer
que eu vá
você vai.
Vi você nos hospitais

e na fila
dos presos políticos.
Vi você nos olhos terríveis
de Edna Lieberman

e nos becos
dos bandoleiros.
E sempre me protegeu!
Na derrota e na loucura.

Nos relacionamentos doentios
e na crueldade,
sempre esteve comigo.
E ainda que passem os anos

e o Roberto Bolaño da Alameda
e da Livraria de Cristal
se transforme,
se aquiete,

se torne mais imbecil e mais velho
você permanecerá bela como sempre.
Mais que o sol
e que as estrelas.

Musa, onde quer
que você for
eu vou.
Sigo seu rastro radiante

através da noite imensa.
Sem me importar com a idade
ou com a doença.
Sem me importar com a dor

ou o esforço que hei de fazer
para te seguir.
Porque com você posso atravessar
a cidade destruída

e sempre encontrarei a porta
que me devolva
à Quimera,
porque você está comigo,

Musa,
mais bela que o sol
e mais bela
que as estrelas.

Musa
Roberto Bolaño

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